Tuesday, September 19, 2006

O Pólo Vermelho e o Cabeçudo desconhecido

Equilibrar toda a estrutura era complicado, mas o pior era o calor que sentia dentro do cabeçudo, enquanto desfilava pela rua, ao som dos bombos na frente. Pelos passeios em ambos os lados da rua apinhava-se uma pequena multidão em festa. Ele sentia a cabeça toda transpirada do calor, fazia comichão na nuca, e os fios de água escorriam pela testa, sem os poder limpar.
Todo esse desconforto do aparato que envergava foi porém esquecido no momento em que alguém do passeio lhe acenou com o braço, e que ele não conhecia. No seu rosto ela tinha uma expressão risonha, um sorriso ternurento e de cândida meninice, não menos do que adorável. Vestia um polo vermelho garrido, com uma risca branca em todo o seu redor, e com a mão ajeitava os cabelos que lhe cruzavam os olhos por causa do vento;e saudava-o com uma familiaridade que ele não compreendia, e que julgou ser um mal-entendido, alguém que o confundira com outro cabeçudo. Ela porém não parava de lhe acenar e de lhe sorrir, como se a qualquer momento estivesse prestes a sair do passeio para o abraçar na rua, em pleno desfile.
Ao fim daquele dia, depois de toda a festa ter acabado, regressou a casa, com a enorme cabeça que fazia questão de guardar, até ao ano seguinte. Tinha um canto na garagem transformada em espaço de arrumos para a sua cabeça festiva. Colocou-a no seu sítio e ia deitar-se, sentia-se exausto depois do dia tão longo e tão cansativo. Algo porém lhe captou a atenção no momento em apagava a luz: um polo vermelho com uma risca branca pousado sobre uma cadeira antiga que tinha ali arrumada, um polo tão familiar quanto estranho pela sua presença ali. Aproximou-se e pegou nele, ao que o seu toque ainda respirava o corpo morno de alguém. Tomou então um marcador preto que tinha sobre uma mesa, e na faixa branca escreveu o seu nome. Para que no ano seguinte, quando ela lhe acenasse, não fosse mais um estranho oculto por uma cabeça que não era a sua.

1 Comments:

At 12:17 AM, Blogger T said...

Uau!!!

Este texto é admirável. O 'pormaior' da cabeça faz toda a diferença ;)

 

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