Wednesday, September 13, 2006

Fora do meu tempo

Nunca pensei que ao fim destes anos a quinta lâmpada do túnel continuasse fundida, a única, tal qual a encontrámos naquela tarde, depois das aulas, no ano em que finalmente aceitaste namorar comigo. A escola ficava perto da linha do comboio, e porque não querias ouvir os comentários parvos dos colegas e porque eras audaz e aventureira fomos para o túnel. De trinta em trinta metros havia uma reentrância na curvatura da pedra onde apareciam umas portinholas de metal pintadas de preto, iluminadas por uma lâmpada de cor amarela mortiça, que tudo tornava igual, debaixo da sua luz. Deste-me a mão e desatámos a correr pelo túnel fora, querias ir para uma parte mais escura porque metia mais medo, e foi então que reparaste que a quinta saliência tinha a lâmpada fundida. Era um local seguro para cabermos os dois, protegendo-nos dos comboios que passavam a cada quinze ou vinte minutos. E foi naquele canto escuro recortado na pedra, húmido e frio, com a gravilha invisível sob os nossos pés - reconhecível apenas pelo seu ruído típico enquanto era calcada - que nos beijámos com a fúria da nova descoberta, abafando o silêncio num rumor ofegante até secar as línguas animadas, até dissolver ambas as salivas num alimento indivisível comum, contendo um pouco de cada um de nós. «Se não me metes as mãos nas mamas, acaba-se já aqui o namoro», disseste com a maior das naturalidades, porque era exactamente aquilo que querias dizer, porque não era preciso conversa redundante que poluísse a ideia original. Claro que fiquei grato à escuridão por ter ocultado a minha expressão de terror, mas logo me habituei à tua franqueza, e certo era que não queria que acabasse ali o namoro. Tinhas umas mamas estupendas para os quinze anos de então, eram grandes - porque apenas o tamanho importava entre a rapaziada naquele tempo - e tinhas uma grande propensão a intumescer os mamilos muito para além do disfarçável. Era por isso que te chamavam a «Faroleta». Para mim era a primeira vez que experimentava semelhantes sensações, deixava os dedos abertos e esticados embaterem e contornarem as pequenas formações tensas, excitado pelo risco acrescido que surgia sempre que uma composição percorria o túnel a grande velocidade, fazendo um barulho insuportável, levantando uma corrente de ar que ainda mais te despertava.
«De que estás à espera? Beija-as!» E guiado apenas pelos dedos, como um Braille natural tão antigo como a Humanidade, flecti um pouco um joelhos, para iniciar um longo e prolongado sorvo, de olhos fechados para tentar imaginar como seriam sob a luz do sol, para conseguir distinguir a textura endurecida, para desmontar cada uma das componentes do seu gosto adocicado, morno e materno. «Em que pensas?», perguntou-me após alguns momentos. «Penso no solo de saxofone da Just the way you are, do Billy Joel», disse sem saber porquê.
«Hum, não conheço», disse com indiferença.
«É natural, não é do teu tempo.»
«Quando falas assim pareces tão velho, como se tivesses vivido noutra época!»
E tinhas razão, estava fora do meu tempo, e ainda hoje estou. Mas por outro lado, as coisas não mudaram assim tanto. Afinal de contas, o nosso canto continua tão escuro como naquela tarde, e sinceramente duvido que se lembrem um dia de trocar a lâmpada.

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