Friday, September 29, 2006

Demissão

Exma. Directora Sónia Manuela Alves Tadeu,

Venho por este meio comunicar-lhe a rescisão do contrato que me vincula à empresa que V. dirige, por motivos de que se prendem com a arquitectura e construção do escritório que albergam esta, mais precisamente com a localização do meu gabinete. Como V. saberá, para a concentração e destreza intelectual necessárias ao desempenho das minhas tarefas é absolutamente necessária uma constante tranquilidade e silêncio absoluto para minimizar as distracções tão funestas a um bom desempenho, naturalmente da maior importância para a produtividade desta empresa. Uma pequena falha na revisão de grandes volumes de números com que diariamente lido pode trazer prejuízos da maior gravidade, e apesar de felizmente nunca se ter dado qualquer caso dessa natureza, a presença constante do risco de tal acontecimento é para mim fonte de enorme consternação e inquietude, dadas as condições em que presentemente exerço as minhas funções. Ora como V. certamente saberá, a recente reorganização do espaço no escritório colocou-me no gabinete do fundo, facto a que não coloquei qualquer oposição, por ser um espaço amplo, com uma janela grande por entra uma bonita luz natural e que contribui para um bom ambiente de trabalho. Não podia porém imaginar, na altura em que aceitei esta nova disposição física, que o espaço contíguo ao meu novo gabinete fosse comprometer tão profundamente o meu desempenho. Creio, se me permite, que V. estará a imaginar no momento em que lê estas linhas que o corredor de passagem do outro lado do meu gabinete e o seu natural ruído característico são a fonte de perturbação do meu trabalho, mas muito pior do que esse facto, peço a V. que faça o exercício mental de reconstruir a arquitectura dos pisos deste prédio onde a empresa de V. se situa, e identificar qual o compartimento contíguo à parede que tenho exactamente por trás da minha secretária e da minha pessoa. Após esse exercício creio que se tornará muito mais simples para V. entender que o ruído dos tacões de V. ou de outra colaboradora desta empresa é efectivamente incomodativo quando passam no corredor - e perdoe-me o atrevimento mas eu sei que neste momento foi V. que passou porque reconheço o passo curto e acelerado que a caracteriza -, mas seguramente a verdadeira fonte de problemas e a origem desta carta está no destino que V. está a tomar e que a leva neste momento atrás de mim, separados por uma parede que contém a canalização necessária para uma primeira descarga, incómoda, e unidos por uma chuva torrencial que cai e nos faz aguardar até o sol doirar assim que os últimos pingos caiam nas poças com a perturbação ondulatória que as contas saem todas trocadas e só mais um pequeno chuveiro rápido e inesperado e eu saio porque V. me perdoe mas mesmo após a segunda descarga eu já não consigo fazer nada de jeito e a minha cabeça já está perdida nesses raios de sol que espelham a desconcentração perdida porque já vai outra a seguir e, olhe eu não sei não dá e pois o sol chove mais e ela não posso não poça não nada


Eu peço imensa desculpa, mas não posso continuar. Queira V. aceitar a minha demissão.

Com os melhores cumprimentos,

A.

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