Wednesday, October 11, 2006

O Beijo

Tinham sido tantas as recomendações da pobre e aflita mãezinha que a Sónia Manuela esquecera metade logo durante a viagem, na camioneta. Era a primeira vez que ia viver sozinha, longe de casa, por causa do curso de matemática que a tornaria doutora um dia, para orgulho dos pais, e um pouco de toda a sua aldeia.
E passados dois meses sobre a sua partida, as recomendações esfumaram-se para parte incerta. O que realmente importava naquele momento era o interesse que o rapaz mostrava por ela. Usava barba de três dias, vestia um blusão coçado e tinha uma mota. Na aldeia não havia gajos assim.
«És muito simpática Sónia, sabias? As raparigas do curso são sempre cheias de cenas, ao menos contigo dá para ter uma conversa em condições.»
«Nem uma! Sob nenhuma condição deves andar a falar com os rapazes!»
«Oh, isso não é verdade! Já conheci colegas muito simpáticas, e já me ajudaram muito também!»
«Sim, mas só pensam na matemática, começam logo a pensar cenas se as convidares para tomar um café, entendes?»
«Não! Rapazes, nem pensar! E se queres tomar café fazes em casa! Já te meti na mala uma cafeteira e um saco do melhor lote que tinha na mercearia do Sr. Albino.»
«Pois, isso já não sei. Mas também acho que não tem nada de mal, não é?»
«Vês porque é que eu digo que és diferente?»
«Diferente o tanas! Além disso sai mais barato e não tens que apanhar frio na rua!»
«Dizes isso porque és simpático! Sou igual às outras todas!»
«E quem te disse que as outras todas têm uns olhos assim? E um sorriso espectacular?»
«Foi o Sr. Albino. E ofereceu também pêras e um saco de bananas para a viagem, que ainda leva umas horas. Não são nada coisas a mais, assim escusas de comprar lá e gastar dinheiro!»
«Oh, que grande mentira! Sou vulgaríssima! Tu é que estás a querer ser querido!»
«E consigo ser?»
«Consegues, pois! Se comeres sempre em casa vais ver o dinheiro que poupas! Agora parece-te pouco mas isso bem governado dá para muito tempo! Faz-se dar!»
«Sabes bem que sim! Aliás, tu já és, não precisas de fazer mais nada!»
«Tu é que és super querida. E além disso, já disse que adoro o teu cheiro?»
«É de cabra. Como está curado podes guardar fora do frigorífico. Queres levar uns chouriços, também?»
«Não! Mas tem alguma coisa de especial?»
«É assim misterioso, doce e quente...entendes?»
«Mesmo assim levas agasalhos que cheguem?»
«Sim! Acho que te percebo, mas eu não o consigo sentir!»
«Tens que procurar bem... está entre o pescoço e a orelha, aqui escondido pelo teu cabelo.»
«Neste saco? É uma alface das nossas, para fazeres uma salada. Pronto, já vimos que está tudo, agora vai lá senão perdes a camioneta!»
«Ah! Mas o que foi isso?!»
«Foi um beijo.»
«Um beijo!»
«Um beijo??»

1 Comments:

At 11:14 AM, Blogger Cortez said...

Uau! Já nem me lembro da última vez que tirei 20 valores! (Chegou a acontecer?)

Por muito que se esqueçam, as recordações da mãezinha andam sempre por perto! :)

Obrigado pelo comentário e um dia excelente para ti!

P*

 

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